O Evangelho de Paulo

Paulo de Tarso Numa Perspectiva Espírita

Para entendermos a teologia de Paulo numa perspectiva espírita é preciso termos alguns cuidados na interpretação dos textos deste valioso apóstolo.

Em primeiro lugar faz-se necessário nos descondicionarmos da visão de aproximadamente dois mil anos que o cristianismo organizado nos trouxe, onde os ensinamentos de Jesus foram interpretados de forma incorreta.

Dizemos desta forma, pois devido à sua imaturidade espiritual o homem nestes dois milênios posteriores à vinda de Jesus não conseguiu compreender alguns pontos da Mensagem do Evangelho criando doutrinas que divergem da essência do que o Senhor nos trouxe, formando, assim, na humanidade um psiquismo difícil de ser alijado da nossa intimidade, psiquismo este que tem nos levado a enganos e dificultado a compreensão da maior mensagem que Deus deu à humanidade.

Como segunda necessidade para melhor entender Paulo é preciso compreendê-lo dentro de suas três realidades, ou seja, devemos inseri-lo em seus três mundos.

  • Ele era cidadão romano (cf. Atos, 22: 25, 27 e 29)

  • Tinha se formado numa cultura grega e era profundo conhecedor deste idioma, de sua literatura e filosofia. Nascido em Tarso, uma cidade que tinha uma das maiores universidades da época; teve segundo Emmanuel1 convívio com mestres da escola de Atenas e de Alexandria.

  • Era Judeu, fariseu, criado aos pés de Gamaliel2.

Portanto, Paulo não é autor de nenhuma teologia antissemita, não tem Jesus como Deus, e nem prega um Deus trino o que seria inadmissível para o judaísmo em que foi formado. Ele não rompeu com o judaísmo, a elite judaica é que não o compreendendo não o aceitou, como também, anteriormente, não aceitara Jesus.

O que o apóstolo dos gentios percebeu e por isso não foi compreendido por muitos é que Jesus era o Messias falado nas Escrituras hebraicas, que era maior do que Moisés e do que todos os profetas; que Ele era a continuidade da Torah, Ele a completava, era o objetivo dela; o Seu Evangelho era a Terra Prometida a seus ancestrais. Para Paulo Jesus não era rival de Moisés e nem vice-versa, Moisés era servidor de Jesus e tinha seu valor, como Jesus era de Deus.

A teologia paulina é eminentemente judaica, Jesus é o cumprimento da Promessa, é a semente de Abraão3.

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O Bispo anglicano Nicholas Thomas Wright, em seu livro “Paulo – Novas Perspectivas”4, define a estrutura do monoteísmo judaico fundamentada em três conceitos importantes. São eles o de criação, providência, e juízo.

Segundo este considerado autor, em Paulo também veremos a mesma temática expressa em toda sua teologia.

Interessante observarmos, quando nosso desejo é fazermos um releitura de Paulo sob uma ótica espírita, que na Doutrina codificada por Kardec também teremos os mesmos assuntos nos desafiando por toda obra.

Criação – tendo entendido que existe uma criação, o judaísmo teve o bom senso de perceber que esta não se fez ao acaso, mas que era obra de um criador. Vemos aqui a presença daquela orientação dada a Kardec pelos Espíritos codificadores:

Não há efeito sem causa. E neste axioma podemos encontrar a prova da existência de Deus, o Criador. Procurai a causa de tudo o que não é obra do homem e a vossa razão responderá.5

Assim, temos, se há uma criação, tem-se então um criador, que neste caso é Deus, o Criador dos céus e da terra.6

Guardemos, portanto, esta informação, no Judaísmo de Paulo Deus é o Criador do Universo e de todas as coisas.

Os céus contam a glória de Deus,

E o firmamento proclama as obras de suas mãos.

O dia entrega a mensagem a outro dia,

E a noite a faz conhecer a outra noite.

Não há termos, não há palavras,

Nenhuma voz que deles se ouça;

E por toda a terra sua linha aparece

E até aos confins do mundo a sua linguagem.

Ali pôs uma tenda para o sol,

E ele sai, qual esposo da alcova,

Como alegre herói, percorrendo o caminho.7

Providência – trata-se da solicitude do Criador em relação à Sua criação; o cuidado e o acompanhamento que Ele tem com ela. Kardec desenvolverá o tema no Livro A Gênese8, no capítulo II a partir do item 20.

Podemos ver aqui uma prefiguração do Deus-Pai do qual falou Jesus, de um Deus segundo entendemos, que também é Mãe, pois zela incessantemente em favor de seus filhos, os assiste em todos os momentos9.

Mas é a tua Providência, ó Pai, que o pilota, pois abriste um caminho até no mar e uma rota segura entre as ondas.10

Deste-me a vida e o amor, e a tua solicitude me guardou.11

No desenvolvimento do tema, aprofundando os conceitos de Criação e Providência surge um outro de fundamental importância para compreendermos Paulo em sua cultura judaica, trata-se do que podemos compreender por Aliança.

Deus criou o homem e o cercou de tudo que ele precisava, e mais, o colocou num Jardim de delícias (Éden).

Entretanto, fez com ele um pacto, uma aliança:

De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás.12

O homem não conseguiu manter sua fidelidade e desobedeceu, surge deste modo a experiência do mal e a necessidade do homem se recompor.

O erro na criação não é de Deus, mas do homem, entretanto o Criador providencia recursos para que o homem corrija sua rota.

Assim, Deus renova sua aliança com Adão, e o mesmo vai fazer com Abraão, com Isaac, com Jacó, com Moisés…

Cada vez que o ser humano falha seu destino é reconfigurado para que atinja o objetivo de recompor-se diante de Deus com toda assistência Deste.

Vemos aí uma manifestação clara da Providência Divina auxiliando o homem em seu reerguimento espiritual, o que vai acontecer segundo Paulo, a partir de uma nova criação em Cristo. Ele viu Jesus como o redentor do erro de Adão. Ele era a manifestação plena da justiça de Deus, através de Jesus Deus confirma sua Fidelidade à Aliança.

Juízo – este é um tema que está presente em toda literatura bíblica, Deus é Santo, Nele não há mácula, nenhum tipo de impureza. A Justiça de Deus é manifestação plena de Seu caráter, assim, ele recompensa o bem e pune o mal. Haverá um juízo final, que é o momento de prestação de contas em que o homem diante de Deus será ou não justificado, isto é, reconhecido como justo.

Se for bem sucedido no julgamento terá vida, se não, morte. No Espiritismo a obra básica que aprofunda sobre este assunto é O Céu e o Inferno13.

Estes são temas sempre presentes em Paulo o que nos mostra ser ele fiel ao judaísmo. Voltamos a repetir, Paulo não rompeu com o judaísmo, o que ele percebeu era que Jesus era o objetivo da Torah (Romanos, 10: 4), o cumprimento da Promessa.

Tendo visto estas questões fundamentais que situam Paulo dentro do contexto judaico, faz-se necessário citarmos que o cristianismo, principalmente a partir do quarto século de nossa era, modificou alguns conceitos, baseados numa forma errônea de ler Paulo e que agora precisamos reconsiderar.

Assim, Jesus foi tido como Criador, e se é Criador, entendeu-se que Jesus é Deus, ou seja, Deus que encarnou.

Lembramos de Kardec quando na questão 59 de O Livro dos Espíritos ao comentar sobre algumas considerações bíblicas sobre a criação afirma:

Dever-se-á daí concluir que a Bíblia é um erro? Não; a conclusão a tirar-se é que os homens se equivocaram ao interpretá-la.

Assim, se nos propomos realizar uma nova interpretação dos textos de Paulo à luz da Doutrina Espírita, precisamos conhecer e estudar os princípios fundamentais do Espiritismo.

Temas como Deus, Jesus (Cristo), Espírito, Perispírito, Evolução, Mediunidade, Imortalidade da Alma, Livre Arbítrio, entre outros, são essenciais para verdadeiramente entendermos o que quis dizer ao mundo este Bandeirante do Evangelho.

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Só para termos uma breve ideia da importância dos conhecimentos destes princípios doutrinários para o melhor entendimento da proposta paulina vamos destacar neste momento apenas três destes princípios: Deus, Espírito e Jesus.

Deus

Para a doutrina espírita, o entendimento de Deus é como na Bíblia em seus primeiros movimentos, Deus é o Criador do Universo.

Na primeira questão de O Livro dos Espíritos temos: Deus é a Inteligência Suprema e Causa Primária de todas as coisas.

Deus é Espírito, é imaterial, onipotente, onipresente, onisciente, imanente e transcendente. Segundo os Espíritos Ele não atua diretamente na matéria14, para isto tem agentes dedicados que O auxiliam.

Espírito

O Espírito é o princípio inteligente do Universo15, os Espíritos são os seres inteligentes da criação16.

Eles estão em constante evolução, o que fazem através das diversas reencarnações. Quando atingem o cume da escala evolutiva, tornam-se Espíritos Perfeitos, Espíritos Puros, Cristos17...

Jesus

Jesus é para a doutrina espírita um Espírito criado, não é Criador, é criatura.

Porém é um Espírito especial, não porque tenha sido criado de forma diferente dos demais, mas porque se fez especial. Percorreu toda escala evolutiva em mundos que já nem existem mais, e tornou-se Perfeito, um Espírito Puro. É assim, um Cristo. Daí, Jesus-Cristo, onde Cristo não é sobrenome, mas condição espiritual, estado evolutivo.

Podemos assim dizer que ele é um dos Agentes Dedicados18 que auxiliam Deus na governança de Sua criação.

Ele não é Criador, é Construtor; é conforme orientação do Espírito André Luiz, um Co-criador em Plano Maior.19

Para o nosso planeta, Jesus é o Construtor dele, é o Mentor Espiritual; os Espíritos o definem como Governador Espiritual da Terra.

Não compreendendo tudo isto e sentindo a Sua superioridade muitos pensam ser Jesus o próprio Deus Criador. Só o Espiritismo através das revelações dos Espíritos Superiores pôde elucidar esta questão, e assim nos dar mais uma ferramenta para compreendermos Paulo, e porque não dizer todo o Evangelho, que é a Boa Nova de Deus.

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Dito isto faz-se necessário buscar Alguns textos de Paulo e os interpretarmos dentro desta nova ótica proposta. Lembrando que por ser o Evangelho a Mensagem do Cristo trazida aos homens através da inspiração do Espírito de Verdade, outras interpretações além das aqui propostas poderão haver sem contradição. Neste passo não vamos nos preocupar com as minúcias, mas com o que achamos mais importante para o objetivo deste estudo.

Jesus é Deus?

agora, nestes dias que são os últimos, [Deus] falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e pelo qual fez os séculos. É ele o resplendor de sua glória e a expressão de seu ser; sustenta o universo com o poder de sua palavra… (Hebreus, 1: 2 e 3)20

Como dissemos no início deste texto para compreendermos Paulo e a essência de sua mensagem é preciso nos descondicionarmos em relação às interpretações das escrituras que até então fizemos levando em conta as teologias cristãs tradicionais. Dentro da ótica antiga, a primeira ideia que vem ao lermos estes versículos é que Jesus é Deus. Porém não é o que pensava o autor de Hebreus. Além de ser inconcebível para um judeu como ele o pensamento de que Deus pudesse encarnar, a tradição judaica nunca disse ser o Messias igual a Deus.

Temos no texto em epígrafe a afirmativa do apóstolo de que Jesus é Filho. Como sabemos, Deus é Pai, portanto, não é a mesma coisa. Entretanto a teologia cristã posterior disse que o Filho faz parte da Trindade e que seria uma pessoa de Deus. Teríamos assim, Deus Pai, Deus Filho, e Deus Espírito Santo.

Não é objetivo deste estudo, devido a sua singeleza, aprofundar-se nestas questões teológicas, mas temos, entretanto, de manifestarmo-nos de alguma forma.

A teoria do Deus trino e da trindade não tem claramente um respaldo bíblico, pode-se ver a mesma expressa nas entrelinhas de alguns textos, entretanto trata-se de opinião pessoal e liberdade de interpretação daqueles detentores desta forma de pensar.

Temos nestes versículos a afirmação do autor sagrado de que Jesus fez os séculos. Num primeiro instante podemos pensar que Jesus fez o “tempo” já que séculos expressa uma noção de tempo. Como o Criador do tempo é Deus, supõe-se através de uma leitura rápida que Jesus é Deus.

Todavia o que o texto expressa que é Deus quem fez por meio do Filho, o que é diferente. Outra questão a ser compreendida é que a expressão grega aion também pode ser vista como uma tradução de uma expressão idiomática hebraica que dizer mundo, universo.

Assim, o autor de Hebreus quer dizer que Jesus fez o mundo. Dentro da teologia tradicional caímos na mesma dificuldade, pois quem criou o mundo foi Deus.

É aqui que a doutrina espírita entra fazendo a diferença. Mundo ou Universo aqui expressam os Universos físicos, isto é materiais. O mesmo se dá com séculos que é uma medida de tempo. Só existe tempo quando falamos de dimensões materiais.

Como vimos anteriormente Deus não opera diretamente na matéria, isto ele faz por meio dos Espíritos, e no caso da construção dos Universos Ele faz por meio dos Espíritos Puros que são os Cristos ou os Messias.

Assim, o autor de Hebreus inspirado pelo Espírito de Verdade está correto e coerente com o ensino que os Espíritos nos deram a partir da Codificação Kardequiana. Deus por intermédio de Jesus que é um Cristo fez o mundo em que vivemos que é o planeta Terra

Na sequência do versículo ele ainda diz que Jesus é a expressão de seu ser, isto é a expressão de Deus.

Está corretíssimo; Jesus é a expressão exata de Deus, a expressa imagem Dele. Como sabemos os Espíritos Puros já se reintegraram na Unidade Divina21. Todavia é preciso convir, a expressão de uma coisa não é a coisa em si por mais perfeita que ela seja. Uma imagem de uma pessoa num espelho é a cópia fiel desta, porém não é a pessoa, o mesmo podemos dizer de uma poema, ele pode expressar com perfeição um evento, mas não se trata do próprio; o mapa não é o território, e assim por diante.

Jesus é a expressão exata de Deus, daí ser confundido com Ele, porém não é a Divindade por excelência.

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porque por ele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis… (Colossenses, 1: 16)

Este versículo é outro desafio de solução complexa. Nós o comentamos mais detalhadamente em nosso livro Cartas da Prisão, aqui fazemos apenas um breve resumo do que dissemos lá.

Temos nele Jesus como criador de todas as coisas, o que é atributo de Deus. Já dissemos anteriormente, só Deus é Criador no sentido de transformar a essência em existência. Os Espíritos não criam, eles fazem, ou cocriam a partir de uma substância já criada por Deus.

O sentido do verbo grego aqui usado ktizo é tornar habitável; povoar, um lugar, região, ilha; fundar uma cidade, colônia, estado. Significando também “criar” porém no sentido de formar, modelar, i.e., mudar ou transformar completamente.

É o que dissemos, criar algo a partir de algo já existente.

Voltamos àquele tema de Deus ter Espíritos que exercendo ação sobre a matéria constroem os mundos.

os Espíritos são uma das potências da natureza e os instrumentos de que Deus se serve para execução de seus desígnios providenciais.22

O Espírito André Luiz através da psicografia de Francisco Cândido Xavier complementa dizendo:

[na] substância original, ao influxo do próprio Senhor Supremo, operam as Inteligências Divinas a Ele agregadas, em processo de comunhão indescritível, os grandes Devas da teologia hindu ou os Arcanjos da interpretação de variados templos religiosos, extraindo desse hálito espiritual os celeiros da energia com que constroem os sistemas da Imensidade, em serviço de Cocriação em plano maior, de conformidade com os desígnios do Todo-Misericordioso, que faz deles agentes orientadores da Criação Excelsa.

Essas Inteligências Gloriosas tomam o plasma divino e convertem-no em habitações cósmicas, de múltiplas expressões, radiantes ou obscuras, gaseificadas ou sólidas, obedecendo a leis predeterminadas, quais moradias que perduram por milênios e milênios, mas que se desgastam e se transformam, por fim, de vez que o Espírito Criado pode formar ou cocriar, mas só Deus é o Criador de Toda a Eternidade.23

Jesus é assim, um destes Espíritos – agentes dedicados de Deus - que se capacitaram a ser Cocriadores em plano maior; segundo orientação de Emmanuel pertence à Comunidade de Espíritos Puros, é responsável pelo governo de coletividades planetárias24.

Portanto, neste sentido é que Ele fez todas as coisas neste nosso planeta Terra. Paulo não tinha àquele tempo a ideia de Universo como temos hoje, por isso ele usa a expressão todas as coisas se referindo ao nosso orbe. Era o máximo que a mentalidade da época alcançava.

Então Jesus é sim, segundo orientação dos Espíritos, “criador” do nosso planeta; por ele, isto é, por meio dele, foram criadas todas as coisas.

Justificação pela fé

Este é outro tema de grande importância na teologia paulina e que não pode ficar de fora se pretendemos comentar o pensamento de Paulo sob a perspectiva espírita.

Sobre justificação pela fé já foram escritos vários livros, verdadeiros tratados teológicos. O tema é tão importante que Lutero baseia a Reforma Protestante na questão de como se alcança esta justificação.

Não pretendemos fechar questão sobre o assunto e nem achamos que temos condições de debater o assunto com a profundidade necessária, entretanto é preciso realizar alguns comentários dentro de nosso objetivo que é estudar o Evangelho à luz da Doutrina Espírita mantendo sempre o enfoque reeducativo.

A primeira vez que Paulo trata o assunto é na Carta aos Gálatas sendo que em Romanos ele irá aprofundar a questão.

Vamos tomar por base a citação de Gálatas:

Sabendo, entretanto, que o homem não se justifica pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, nós também cremos em Cristo Jesus para sermos justificados pela fé em Cristo e não pelas obras da Lei, porque pelas obras da Lei ninguém será justificado. (Gálatas, 3: 16)

Como temos feito até então, e para manter a simplicidade de nosso estudo faz-se necessário conceituar o que seja justificação, obras da Lei, e fé.

Justificação deve ser compreendida no contexto judaico como o ato de ser feito ou considerado justo. Quem irá justificar o homem é Deus. (Romanos, 3: 30).

Compreender isto é fundamental, pois ser considerado justo é estar em comunhão com Deus, é manter a Aliança com o Criador. Deus é Santo, sem pecados, desta forma para estar em comunhão com Ele é preciso estar no estado de santidade, sem afastar-se de Sua Lei.

E como se consegue isto? Pelas obras? Não, Paulo é claro: pela fé em Cristo-Jesus.

Neste passo é importante conceituar nossa segunda expressão: obras da Lei.

Lei é a tradução da palavra grega nomos que é usada também para traduzir Torah. Todavia aqui obras da Lei não significa as obras da Torah em seu sentido espiritual de ensinamento que transforma. Seriam as obras do legalismo judaico, da observação dos preceitos puramente religiosos, como a circuncisão, a observação do sábado, da abstinência de carne suína, dos rituais de purificação, etc.

Nos dias de hoje seria obsevar mais os preceitos que todas religiões têm do que a observância da transformação moral, ou de autoiluminação, por exemplo.

Sendo assim Paulo combate todo tipo de discriminação ou exclusão em favor de uma manutenção do estado de harmonia entre criatura e Criador.

Essencial desta forma compreender o significado bíblico de seja no Novo Testamento ou no Antigo onde fé é emunah.

Tanto o grego pistis, quanto o hebraico emunah expressam fidelidade, confiança. Não se trata de uma crença meramente intelectual, mas de um estado de obediência, de comprometimento. Trata-se de uma fé operacional.

Todo o enfraquecimento de compreensão do que seja fé em nosso vocabulário se deu pelo motivo de que não existe em português um verbo que expresse o ato de ter fé em seu sentido bíblico. Em português o verbo encontrado que mais se aproximou foi “crer”, entretanto, este verbo não expressa a totalidade do que é ter fé. Crer é apenas um componente do ato de ter fé, e talvez um dos menores.

Outro ponto que tem sido destacado pelos eruditos modernos e que têm ampla lógica e concordância com o Espiritismo que tem Jesus não por ídolo ou mito, mas como Modelo, é que Paulo talvez pensasse ao dizer fé em Cristo-Jesus, não só o ato de ser fiel a Jesus, mas à atitude de ter a fidelidade de Cristo. Assim, não seria simplesmente ter fé em Cristo-Jesus, mas ter a fé de Cristo-Jesus, a mesma que O levou a ser plenamente fiel ao Pai e aos Seus desígnios.

Foi por esta fidelidade que Ele, Jesus, o Autor e Consumador da fé, trocou a alegria que lhe estava proposta pela cruz da ignomínia25 e assim ensinar que o caminho da justificação passa pelo testemunho de sacrificar-se em favor da evangelização dos outros como forma de glorificar ao Pai e assim estar presente Nele sendo declarado Justo.

Morrer Uma Só Vez

Para encerrar este breve estudo não poderíamos deixar de comentar o versículo mais usado pelos cristãos tradicionais para combater a Reencarnação que é um princípio fundamental do Espiritismo a expressar uma Lei Universal.

E, assim como aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo… (Hebreus, 9: 27)

Este é mais um texto do Evangelho onde a leitura apressada e condicionada pode nos levar ao erro.

Nosso autor aqui em nenhuma hipótese está tratando do tema da possibilidade ou não da reencarnação.

A Carta aos Hebreus é toda escrita para mostrar a superioridade de Jesus-Cristo em relação a Moisés e o quanto o Evangelho, significando a Terra Prometida, é superior à Lei antiga.

Neste ponto o autor de Hebreus está fazendo uma comparação dizendo que pela Lei antiga o Sumo Sacerdote tem de, uma vez por ano, fazer um sacrifício de purificação, enquanto pela Nova Aliança, a do Evangelho, se seguirmos o exemplo do Cristo nos libertaremos de vez da necessidade dos ciclos dos renascimentos como instrumento de purificação. Por meio do Cristo vivenciado temos acesso direto a Deus e a Seu Reino.

A Reencarnação é uma Lei Universal fundamentada na justiça; realmente, se transcendermos a justiça humana pela implementação do Cristo em nós, não teremos mais de reencarnar, pois só reencarnam os Espíritos que ainda não atingiram plenamente a Perfeição Cristã. Todavia enquanto isto não acontece necessário se faz nascer de novo26.

O conceito bíblico de morte nada tem a ver com a cessação da vida física, ou com o desencarne conforme à morte nos referimos.

Como exemplo disto podemos citar Adão que simbolicamente representa a humanidade afastada de Deus pela desobediência às Leis do Criador.

Foi dito a Adão que se comesse da árvore da ciência do bem e do mal ele morreria. Ele desobedeceu e comeu, e o que aconteceu? Fisicamente não morreu, continuou a viver, muitos anos por sinal, e teve até vários filhos.

O próprio Paulo vai expressar este conceito em Romanos ao dizer:

porque o salário do pecado é a morte27

Ou seja, morte significa estar afastado de Deus pelo pecado.

Outros exemplos bíblicos podemos dar.

Jesus ao conversar com um doutor da lei segundo as anotações de Lucas, diz assim:

Respondeste bem; faze isso e viverás.28

Ora se aquele homem estava vivo, por que dizer faze isso e viverás?

Porque não era de vida física que Jesus falava, mas de Vida Eterna, definindo assim o que é vida no conceito das Escrituras.

Em Levítico, 18: 5 temos:

Portanto, os meus estatutos e os meus juízos guardareis; cumprindo-os, o homem viverá por eles. Eu sou o SENHOR.

Em Provérbios, 4: 4:

então, ele me ensinava e me dizia: Retenha o teu coração as minhas palavras; guarda os meus mandamentos e vive.

Muitos outros exemplos podemos dar, mas achamos desnecessário, dizendo apenas que o mesmo Paulo na mesma carta aos Hebreus diz ser o diabo, que simbolicamente representa oposição a Cristo que é Vida, o detentor do império da morte.

Concluindo temos:

Morte = pecado = desobediência às Leis de Deus.

Citamos Paulo novamente para dizer que segundo suas observações, por meio de Adão entrou o pecado no mundo e assim a morte. (Romanos, 5: 12)

Deste modo a morte entrou no mundo através da opção do Espírito por evoluir passando pela fieira do mal.29 Que simbolicamente representa a Queda do Espírito.

Sob este aspecto o Espírito só morreu uma vez, quando adotou o mal como experiência evolutiva afastando-se assim de Deus. A partir daí vem o juízo que é a faculdade de avaliar.

Quando o Espírito morreu (entrou em queda) como proposta divina de recomposição ele entra no ciclo das mortes e dos renascimentos, encarna e desencarna, e após cada etapa vem a avaliação. Assim vai se recompondo até a redenção final que é sua volta à Vida Eterna.

O que Paulo quer dizer é que o Espírito que morreu uma só vez, quando da queda, por meio do Cristo voltará à Vida e não morrerá jamais.

O que ele mesmo confirma em outro texto:

Porque, assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo.30

Referências Bibliográficas:

A Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Ed. Paulinas, 1992.

BibleWorks For Windows, Versão 7.0.012g. BibleWorks, 2006.

Dicionário Bíblico Strong . Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2002.

HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa, versão 1.0. Editora Objetiva, 2001.

KARDEC, Allan. A Gênese, 26ª Ed. Rio de Janeiro: FEB, 1984.

. O Céu e o Inferno. Rio de Janeiro: FEB, 1944.

. O Livro dos Espíritos. 50ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1980.

WRIGHT, N.T., Tradução de Joshuah de Bragança Soares. Paulo Novas Perspectivas. São Paulo: Loyola, 2009.

XAVIER, Francisco C., / Emmanuel (Espírito). A Caminho da Luz, 10ª Ed. Rio de Janeiro: FEB, 1980.

XAVIER, Francisco C./ Emmanuel (Espírito). Paulo e Estevão, 41ª Ed. Rio de Janeiro: FEB, 2004.

XAVIER, Francisco C./ Waldo Vieira/André Luiz (Espírito). Evolução em Dois Mundos, 13a Ed. Rio de Janeiro: FEB, 1993.

 

 

1 XAVIER, Francisco C./ Emmanuel (Espírito). Paulo e Estevão, 41ª Ed. Rio de Janeiro: FEB, 2004. Pág. 84

2 Atos, 22: 3 e 26: 4 e 5

3 Cf. Gênesis, 13: 15 e Gálatas, 3: 16

4 WRIGHT, N.T.; Tradução de Joshuah de Bragança Soares. Paulo Novas Perspectivas. São Paulo: Loyola, 2009.

5 KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 50ª ed. Rio de Janeiro: FEB, 1980. Q. 4

6 Gênesis, 1: 1

7 Salmo, 19: 1 a 6

8 KARDEC, Allan. A Gênese, 26ª Ed. Rio de Janeiro: FEB, 1984.

9 Não vamos encontrar em nenhum texto esta ideia de Deus-mãe, esta é apenas uma figura de linguagem a fim de melhor compreendermos a Providência Divina.

10 Sabedoria, 14: 3

11 Jó, 10: 12

12 Gênesis, 2: 16 e 17

13 KARDEC, Allan. O Céu e o Inferno. Rio de Janeiro: FEB, 1944

14 (KARDEC, O Livro dos Espíritos. 50ª ed. 1980). Q. 536 item b

15 Idem, Q. 23

16 Id. Ib., Q. 76

17 Do grego Christos que significa “ungido”. Tanto os reis quanto os sacerdotes eram investidos de sua autoridade numa cerimônia com óleo de oliva. Deste modo Cristo é aquele que recebe a autoridade diretamente de Deus, e neste caso é autoridade moral e espiritual que só é dada àquele que chegou ao cume da escala evolucional.

18 (KARDEC 1980), Q. 536 item b

19 XAVIER, Francisco C./ Waldo Vieira/André Luiz (Espírito). Evolução em Dois Mundos, 13a Ed. Rio de Janeiro: FEB, 1993.

20 Aqui é preciso considerar que os eruditos modernos não têm Paulo como autor da carta aos Hebreus. Neste texto não vamos entrar nesta questão, vamos apenas considerar, como Emmanuel através da psicografia de Francisco Cândido Xavier, que foi Paulo quem escreveu esta valiosa carta.

21 Cf. (KARDEC 1980), Q. 1009

22 (KARDEC 1980), Q. 87

23 (XAVIER F. C. / Waldo Vieira / A. Luiz (Espírito), 1993)Cap. 1, 1ª Parte

24 XAVIER, Francisco C., / Emmanuel (Espírito). A Caminho da Luz, 10ª Ed. Rio de Janeiro: FEB, 1980., Cap. 1

25 Cf. Hebreus, 12: 2

26 Cf. João, 3: 3

27 Romanos, 6: 23

28 Lucas, 10: 28

29 Cf.(KARDEC 1980), Q. 120

30 I Coríntios, 15: 22