Gênesis, 1: 11-19

 

 

E disse Deus: Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente está nela sobre a terra; e assim foi. 12 E a terra produziu erva, erva dando semente conforme a sua espécie, e a árvore frutífera, cuja semente está nela conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom. 13 E foi a tarde e a manhã, o dia terceiro. 14 E disse Deus: Haja luminares na expansão dos céus, para haver separação entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais e para tempos determinados e para dias e anos. 15 E sejam para luminares na expansão dos céus, para iluminar a terra; e assim foi. 16 E fez Deus os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas. 17 E Deus os pôs na expansão dos céus para iluminar a terra, 18 E para governar o dia e a noite, e para fazer separação entre a luz e as trevas; e viu Deus que era bom. 19 E foi a tarde e a manhã, o dia quarto.

E disse Deus: Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente está nela sobre a terra; e assim foi.

Vamos notar que este terceiro dia é um dia reconstrução. Passam-se bilhões de anos, a crosta terrestre se esfria, os vapores de água formam os mares, surge na dinâmica universal a condição de vida. E existindo o material orgânico aparecem as plantas, os vegetais.

Neste versículo 11 temos uma determinação de Deus para que a terra produza árvores que produzam fruto sempre.

André Chouraqui traduz este verso da seguinte forma:

Elohîms diz: “A terra arrelvará de relva, ervas semeando semente, árvore-fruto produzindo fruto por sua espécie, cuja semente traz em si sobre a terra.” 1

Vejamos aqui que o que as versões atuais definiram por “árvores frutíferas”, o tradutor francês traduziu como “árvores-frutos”.

Segundo a tradição rabínica há uma diferença entre “árvore-fruto” e árvore que dá fruto. Conforme esta tradição, está aqui a primeira desobediência a Deus por parte da terra, pois a terra só sabe produzir árvores, e árvores que nem sempre são frutíferas e entre as que produzem frutos nem todas produzem bons frutos.

A Vontade do Criador é que a árvore seja “árvore-fruto”, ou seja, árvore que seja fruto inteira, por todo tempo.

Talvez esteja aqui a razão de Jesus ter repreendido a figueira estéril; na verdade ele não está condenando a figueira, mas a desobediência de não ser “árvore-fruto”.

A partir desta lição temos que, principalmente nós os cristãos - pois Jesus ampliou de forma prática todos estes ensinamentos -, o dever de estar atentos, produzindo bom fruto sempre. Para o seguidor do Cristo não há tempo de fruto, ou tempo de produção, pois sempre é tempo de produzi-los. Este deve ser o nosso compromisso.

Há outro ponto a ser considerado.

Esta “árvore-fruto” traz em si a semente para novas germinações.

Nossas atitudes têm de ser de tal modo produtivas, que se ampliem cada vez mais. Não podemos fechar o círculo produtivo; tudo o que criamos tem um ciclo de crescimento e temos que ter a humildade de saber que esta criação vai se ampliar, adquirir vida própria, vai caminhar por si. É preciso agirmos criando dentro de uma linha espiralada projetando para o infinito.

Aqui cabe o seguinte comentário: quando criamos no sentido produtivo da Vida esta criação se amplia de tal modo que nos traz a alegria plena; porém quando nossos frutos não são bons, estes serão a seu tempo eliminados, porém até que isso aconteça, de acordo com a força de intensidade da criação, ou seja, até que a Vida reabsorva esta criação num sentido positivo, temos que sofrer a conseqüência desta criação negativa e desobediente de acordo com os princípios Universais. Está neste processo a gênese da dor e do sofrimento.

Concluindo, temos, “árvore-fruto” que traz em si sementes que irão perpetuar a criação num processo de alimentação incessante.

Jesus se diz a “videira verdadeira” (João, 15: 1); videira que produz o fruto da espiritualidade plena (vinho); e confirma com maestria os textos originais da Torah:

Nisto é glorificado meu Pai: que deis muito fruto; e assim sereis meus discípulos.2

Reflitamos sobre nossas criações, é importante que o que criamos dê margem para realizações ainda maiores no campo do espírito. Se trabalhamos com a palavra, seja escrita ou oral, se através de artigos, livros ou palestras, que esse trabalho seja não só o de informar,mas também de despertar nas pessoas a possibilidade de sua transformação. Este é o fruto por excelência, o fruto com semente em si, o que mais adiante vai gerar outros frutos com mais sementes que se projetam numa proposta educacional incessante. Esta é a proposta da vida, a produção com amor.

Só o amor se lança ao infinito. O amor da Gênese Universal criou o imortal e sua produção é sempre contínua…

Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também.3

E a terra produziu erva, erva dando semente conforme a sua espécie, e a árvore frutífera, cuja semente está nela conforme a sua espécie; e viu Deus que era bom. E foi a tarde e a manhã, o dia terceiro.

Todo processo evolutivo, apesar da diversidade, tem um modelo único regido pela Lei de Unidade.

Deus Cria, entretanto os Espíritos têm de operar promovendo o seu crescimento e a melhoria do ambiente que o envolve. Deus é transcendente e devemos exaltar a sua grandeza sempre, todavia o Espírito tem responsabilidade e precisa assumi-la neste processo de construção de harmonia plena.

Assim, a terra representando a individualidade tem de produzir para estar ajustada à Vontade Soberana. Ela produz erva; árvores, frutos, sementes que por sua vez propiciarão a oportunidade de novas árvores, frutos, sementes…

É a fixação através do mecanismo de continuidade, de repetição, de perseverança para a consumação do objetivo maior.

É preciso que compreendamos que o Criador, Pai de Misericórdia, não dá nada pronto, no máximo fornece-nos uma semente que temos que cultivar e transformar na realização desejada.

Mesmo a semente ainda não é o início, entretanto, o princípio de uma nova oportunidade. Na semente temos valores já conquistados anteriormente que estão em potencial precisando de serem trabalhados pelo dinamismo essencial. Nada no Universo morre, em tudo há vida e transformação, temos aí a prova da reencarnação, da imortalidade da alma, da vida futura… Parafraseando Jesus podemos dizer, se assim se dá com a semente, por que não se dará com vós, homens de pouca fé…???

E disse Deus: Haja luminares na expansão dos céus, para haver separação entre o dia e a noite; e sejam eles para sinais e para tempos determinados e para dias e anos. E sejam para luminares na expansão dos céus, para iluminar a terra; e assim foi. E fez Deus os dois grandes luminares: o luminar maior para governar o dia, e o luminar menor para governar a noite; e fez as estrelas. E Deus os pôs na expansão dos céus para iluminar a terra, E para governar o dia e a noite, e para fazer separação entre a luz e as trevas; e viu Deus que era bom. E foi a tarde e a manhã, o dia quarto.

Aqui se faz necessário separar o surgimento dos luminares, da luz propriamente dita. A luz é a fonte que ilumina o luminar, ela existiu sempre. O luminar é o elemento refletor, através dele percebemos a luz.

O sol, a lua e as estrelas já existiam antes deste quarto dia, temos que compreender que, é a partir deste momento que eles puderam ser percebidos, o que é diferente de terem sido criados neste instante. Os vegetais já haviam surgidos anteriormente, como poderia haver vida neles sem a energia solar? A Terra orbita em torno do sol desde o seu primeiro dia.

Vemos que neste primeiro momento o redator bíblico dá como função destes astros simplesmente separar dia e noite eles eram apenas sinais que demarcavam o tempo. Era o que a mente da época dava conta de compreender, não se pensava ainda em fontes de energia.

Sol era dia, oportunidade de trabalho, campo operacional; lua era noite, ela marcava as festas. Tem ela importância no equilíbrio do planeta, representa um momento de pausa, de reflexão. Sem a reflexão não há aprendizado, evolução.

A existência destes dois luminares a gerenciarem dia e noite nos remete novamente a existência dos ciclos, e a evolução se realizando indo e voltando, num processo de subida e descida, mas não num círculo fechado, e sim pelas linhas de uma espiral que não se interrompe, e que se há retorno a pontos já trabalhados é sempre em dimensões diferentes como oportunidade de fixação.

Deus tudo criou com objetivo, não existe nada ocioso…

Quando no princípio o Senhor criou suas obras, assim que foram feitas, atribuiu um lugar a cada uma. Ordenou para sempre a sua atividade e suas tarefas pelas gerações.

Elas não sentem fome nem cansaço e não abandonam suas atividades. Nenhuma delas jamais se choca com a outra e jamais desobedecem a sua palavra.4

Podemos retirar daí importante consequência moral. Deus, o Bem, o Amor, existiram sempre no Universo e em nossas vidas. O aparecimento da luz aqui representa o momento de nossa conscientização, o instante em que passamos a perceber quem somos, quais são os nossos erros, nossos objetivos e como realizá-los. O texto nos informa que o objetivo destes luminares era fazer separação entre o dia e a noite.

Interessante notar que este momento se dá no quarto dia, ou seja, quando rompemos a metade do ciclo de sete. A partir daí passamos a realizar uma evolução consciente, amplia-se o livre arbítrio.

Se vivêssemos em um paraíso, com tudo de bom e do melhor, mas não houvesse luz, não conseguiríamos perceber nada à nossa volta, nem mesmo nós, se somos sujos ou limpos, se temos a pele boa ou não, se somos feios ou bonitos. A luz representa para nós a possibilidade da ciência, e também, e principalmente, de autoconhecimento.

Concluímos assim, que não somos a luz propriamente dita, mas o luminar através do qual a luz pode manifestar. Não criamos nada, apenas refletimos o que já existe. Quando conscientes desta realidade, trabalhamos em nós a humildade pois percebemos que o Bem, a positividade, o saber, não originam de nós, somos apenas instrumentos de sua manifestação, e para tal é preciso que estejamos em conexão com a Fonte, que em última instância é Deus.

Seja na posição de lâmpada ou de um simples interruptor, temos de permitir que sejamos acionados para que todo o processo de iluminação se concretize. Se falhar algo na conexão, por mínimo que seja este rompimento, a luz não se manifestará.

Deste modo, é preciso trabalhar a humildade, mas sem desmerecer-nos, reconhecendo que somos apenas instrumento, mas instrumento importante sem o qual o processo não se completa. Humildade e autovalor em plena harmonia.

Num mundo imperfeito qual o nosso, com a mentalidade acanhada que ainda temos, não conseguimos perceber o Bem senão na presença do mal, a luz senão a partir da existência da treva.

Se a expansão dos céus fosse só luz, ininterrupta, não a perceberíamos; a treva, por enquanto, tem assim o seu objetivo não só no sentido de reflexão, mas também no de dar a oportunidade de manifestação da luz.

É neste sentido que a matéria tem a sua utilidade para o espírito, que os astros quebrando a continuidade da luz dão a ela a oportunidade de mostrar-se em nosso universo relativo.

Interessante lembrar que o profeta Jeremias assevera que “o Senhor dá o sol para luz do dia, e as ordenanças da lua e das estrelas para luz da noite”5. Ou seja, a treva é também iluminada há uma “luz da noite”, pois ela também tem o seu objetivo dentro da Contabilidade da Vida. Temos aí a presença de Deus em toda criação, até mesmo no anti-Sistema.

Aprendemos com esta realidade que a evolução não acontece num só sentido, o que levam alguns a dizerem que evolução e involução são componentes de um mesmo processo de crescimento.

Aquele que já conquistou uma virtude tem de praticá-la justamente num ambiente, ou com quem, ela inexiste. Este é o mecanismo da caridade que Kardec teve a lucidez de perceber que sem a qual não haveria salvação. Para que se pratique caridade é necessário que haja o necessitado e que aquele que já não é, desça de sua posição e trabalhe em função dele.

Percebemos assim, a grandeza e sabedoria de Jesus ao ensinar-nos a necessidade imperativa de amar-nos uns aos outros; mais do que um princípio de religião estabelecera Ele, uma Lei de ciência, da Ciência da Libertação.

Adequando-nos a este sistema perfeito entramos no Campo de Deus e na sua perfeição. É o que podemos compreender da expressão: E viu Deus que era bom.

 

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1 (CHOURAQUI, 1995), pág. 40

2 João, 15: 8

3 João, 5: 17

4 Eclesiástico, 16: 26 a 28

5 Jeremias, 31: 35